II
Para o norte inclinando a lombada brumosa,
Entre os nateiros jaz a serra misteriosa;
A azul Vupabuçu beija-lhe as verdes faldas,
E águas crespas, galgando abismos e barrancos
Atulhados de prata, umedecem-lhe os flancos
Em cujos socavões dormem as esmeraldas.
Verde sonho!... é a jornada ao país da Loucura!
Quantas bandeiras já, pela mesma aventura
Levadas, em tropel, na ânsia de enriquecer!
Em cada tremedal, em cada escarpa, em cada
Brenha rude, o luar beija à noite uma ossada,
Que vêm, a uivar de fome, as onças remexer.
Que importa o desamparo em meio do deserto,
E essa vida sem lar, e esse vaguear incerto
De terror em terror, lutando braço a braço
Com a inclemência do céu e a dureza da sorte?
Serra bruta! dar-lhe-ás, antes de dar-lhe a morte,
As pedras de Cortez, que escondes no regaço!
E sete anos, de fio em fio destramando
O mistério, de passo em passo penetrando
O verde arcano, foi o bandeirante audaz.
- Marcha horrenda! derrota implacável e calma,
Sem uma hora de amor, estrangulando na alma
Toda a recordação do que ficava atrás!
A cada volta, a Morte, afiando o olhar faminto,
Incansável no ardil, rondando o labirinto
Em que às tontas errava a bandeira nas matas,
Cercando-a com o crescer dos rios iracundos,
Espiando-a no pendor dos boqueirões profundos,
Onde vinham ruir com fragor as cascatas.
Aqui, tapando o espaço, entrelaçando as grenhas
Em negros paredões, levantavam-se as brenhas,
Cuja muralha, em vão, sem a poder dobrar,
Vinham acometer os temporais, aos roncos;
E os machados, de sol a sol mordendo os troncos,
Contra esse adarve bruto em vão rodavam no ar.
Dentro, no frio horror das balseiras escuras,
Viscosas e oscilando, úmidas colgaduras
Pendiam de cipós na escuridão noturna;
E um mundo de reptis silvava no negrume;
Cada folha pisada exalava um queixume,
E uma pupila má chispava em cada furna.
Depois, nos chapadões, o rude acampamento:
As barracas, voando em frangalhos ao vento,
Ao granizo, à invernada, à chuva, ao temporal.
E quantos deles, nus, sequiosos, no abandono,
Iam ficando atrás, no derradeiro sono,
Sem chegar ao sopé da colina fatal!
Que importava? Ao clarear da manhã, a companha
Buscava no horizonte o perfil da montanha...
Quando apareceria enfim, vergando a espalda,
Desenhada no céu entre as neblinas claras,
A grande serra, mie das esmeraldas raras,
Verde e faiscante como uma grande esmeralda?
Avante! e os aguaçais seguiam-se às florestas...
Vinham os lamarões, as leziras funestas,
De água paralisada e decomposta ao sol,
Em cuja face, como um bando de fantasmas,
Erravam dia e noite as febres e os miasmas,
Numa ronda letal sobre o podre lençol.
Agora, o áspero morro, os caminhos fragosos.
Leve, de quando em quando, entre os troncos nodosos
Passa um plúmeo cocar, como uma ave que voa...
Uma frecha, subtil, silva e zarguncha... É a guerra!
São os índios! Retumba o eco da bruta serra
Ao tropel... E o estridor da batalha reboa.
Depois, os ribeirões, nas levadas, transpondo
As ribas, rebramando, e de estrondo em estrondo
Inchando em macaréus o seio destruidor,
E desenraizando os troncos seculares,
No esto da aluvão estremecendo os ares,
E indo torvos rolar nos vales com fragor...
Sete anos! combatendo índios, febres, paludes,
Feras, reptis, - contendo os sertanejos rudes,
Dominando o furor da amotinada escolta...
Sete anos!. .. E ei-lo de volta, enfim, com o seu tesouro!
Com que amor, contra o peito, a sacola de couro
Aperta, a transbordar de pedras verdes! - volta...
Mas num desvio da mata, uma tarde, ao sol posto,
Pára. Um frio livor se lhe espalha no rosto...
E a febre! O Vencedor não passará dali!
Na terra que venceu há de cair vencido:
E a febre: é a morte! E o Herói, trôpego e envelhecido,
Roto, e sem forças, cai junto do Guaicuí...