domingo, 18 de maio de 2008

O Barco Embriagado

Enquanto eu acompanhava rios impassíveis,
Não me senti mais guiado pelos rebocadores :
Índios aos berros os tomaram por alvo,
Pregando-os nus aos troncos de cores.

Não me preocupei com todas as equipagens
Carregando trigo flamengo ou algodão francês.
Quando com meus rebocadores acabou a gritaria,
Os rios me deixaram descer onde queria.
Através dos furiosos murmúrios das marés,
No outro inverno, mais surdo que mentes infantis,
Eu corri ! E as penínsulas desgarradas
Nunca tiveram tão triunfais algazarras...

Sei de céus que estalam em raios, de tormentas
Ressecas e correntes : sei da noite e do Alvorecer
Exaltado tal o revoar de miríades de pombas,
E vi certas o que o homem acreditou ver !

Vi o sol poente, manchado de horrores místicos,
Iluminando longos coágulos violetas,
Como atores de dramas muito antigos
Ondas distantes rolando arrepios de frestas !..

Vi fermentar enormes pântanos, ardis
Onde entre os juncos um Leviatã apodrece !
Despencam águas em meio a calmarias,
E horizontes para os abismos descem !
Queria mostrar às crianças estas douradas
Na onda azul, estes peixes dourados, estes peixes cantantes.
- Espumas de flores embalaram minhas ffugas
E inefáveis ventos me alaram por instantes.

Às vezes, mártir cansado dos pólos e das zonas,
O mar cujo soluço adocava meus vagueios
Me alçou suas flores de sombra de ventosas amarelas
E eu ficava, qual mulher de joelhos...

E eu, barco perdido sob os cabelos das angras,
Pelo furacão no éter sem pássaro lançado,
A quem os Monitores e os veleiros das Hansas
Não teriam a carcaça ébria de água resgatado;

Eu que tremia, ouvindo gemer de cinquenta léguas
O cio dos demônios e dos abismos estreitos
Tecelão eterno das imobilidades azuis,
Lamento a Europa dos antigos parapeitos !

Se desejo uma água da Europa, é o charco
Negro e frio onde no crepúsculo perfumado
Cheio de tristeza um menino agachado
Como borboleta de maio solta o tênue barco.

Não posso mais, banhado por vossos langores, ô ondas,
Levar seus vulcos dos carregadores de algodões,
Nem atravessar o orgulho das bandeiras e das chamas,
Nem nadar sob os horríveis olhos dos pontões.

1871

Arthur Rimbaud

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