"e no entanto há também o canto do mar - aquele grito constante , constantemente um grito que não era nosso" wallace stevens - poeta americano
todas as eras a bordo de um barco.
eu não via o desenho do território .os navios .ninguém via.desde os franceses embora sempre houvesse uma estória sobre navios ancorados pela região em algum período remoto,mesmo assim,eu não via .
isso reforça a idéia de que esse lugar talvez não tenha existido para o mundo .
Para um sujeito continental então..
Lembro que estamos ancorados, fixados na solo .Nas grandes cidades portuárias,o chão do horizonte, a platitude é que vem até nós .por isso o porto .por isso a cidade do porto , buenos aires, Rio .por isso a espera.
Por que os homens escolheram a terra?
No Mar vamos ao encontro do tempo .Se "no aqui" hace sol ,o navegar por algumas milhas marinhas nos leva em poucas horas aonde a chuva está .A casa da chuva.Eu a visito.cobrimos o barco com lona azul, cobrimos nossos corpos com casacos.A fumaça do diesel tempera o cheiro do mundo. o barco nos leva para o que existe antes de nós .
O ponto de fuga guarda o instante .o instante não vem . o instante é .estamos temperados de instante e diesel .instante aqui é sol . é sal.é labirinto de mangues . é caranguejo.é pesca.visitamos o instante.agora é sério, isso aqui nunca existiu.
quando o barqueiro dá liga ao motor , o povoado não fica para trás . ele desaparece . é como se os pequenos povoados que deixamos jamais houvessem existido .é como se naqueles povoados onde chegamos jamais tivesse ocorrido alguma espécie de visita ou descoberta.
eu fico com a impressão que o passado não existe o futuro já se sabe, também não.estou impresso numa constante despedida.essa febre é causa.o barco desliga o motor.ficamos em silêncio.não é preciso preencher a vida com mais nada.as conversas perdem o sentido.você fica dentro do Mar , da ondulação . cada um de nós mira o olhar para uma abertura oceânica, para um plano particular da memória.cada um de nós é um ser muito inquieto mesmo quando deixamos de mover qualquer parte do corpo.o queixo por exemplo.mesmo quando deixamos de ler jornais ou acessar emails .
Veja : o silêncio que a música deixa no fim .
O continente segue desdobrando.Estamos no útero de um barco . resguardados de destino.as linhas-ilhas se confundem e dentro das linhas ,leitos navegáveis e uma vida levada em pequenos vilarejos sobrepostos na estória da eternidade, da solidão.
adiante é a africa.acima retalhos de cor .telhados coloridos.sílabas solares.
Ouvi dizer que o barco vem amanhã .Viria hoje mas a maré está baixa .
Todas as horas e na blusa de 3 dias uma espera,uma umidade.as bananas estão passando do ponto.tudo é a próxima viagem .descansamos por cima do cansaço.debaixo de insetos .eu vou me deixando em camadas.é uma viagem bastante barroca .de acumulações.
você chega .o barco chega com o novo, com mercadorias , com o querosene e o diesel para o gerador .todas as horas. as pessoas esperam algo de você .querem notícias dos mundos exteriores.eu não tenho nada a oferecer a eles que não seja o meu jeito de ser quieto.
chegamos . sempre a chegar.
os meninos canoeiros deslizam sobre águas e vem buscar as malas .estamos a uns 20 metros de lama do chão firme .os meninos canoeiros movem a pequena embarcação já como se ela fizesse parte de seus corpos mesmos .intimidade orgânica mimesis..
rápidos num desatino e eles já se vão na curva esquecida dos manguezais.um outro desatino e já naveguam de volta , sorriso vadio zombando levemente de nossa falta , falta de saberes para com o lugar.uma alegria sem freios pela cor que o estrangeiro pinta ,pelo quereres que brota de nossaS caras famintas e sujas .
um descuido e os meninos que até um tanto atrás prozeavam da canoa beirando a proa do barco que nos navegua ,e já se vão como dois riscos compridos e negros já bem amigos da distância, engolidos pela noite.
na margem.somos as visitas .somos as horas .o coraçao deles está aberto.comida farta .lenha.todas as horas segredos de familia .teatro japonês. jovens que foram embora.hiato.velhos e criancas.alcoolismo.gestos cifrados.peixe fresco , cagada no mato .farra-alegria-música.centenas de baratas .ar fresco. chuva miuda.
primeira manhã. os garotos a beira no canal limpam as peças.peças de trabalho.cada mão num vértice . rede .cada qual faz o saber.cada qual sabe o fazer. o saber que conheceram vendo seus pais no recorrente cerco aos bagres, pacas e tatus .Cada peça de labor da caça ,da pesca como objetos de precisão .objetos musicais.
a rabeca cria uma i-margem .cria um tom sonhador .invento mitos, personagens brasileiros encantados.nessa floresta de goethe , nessa floresta brasileira ,eu sonhei o sonho de uma rabeca anoitecida .rabecas lascadas de arquitetura em sombras . seu som oferece espaço ao romantismo ,ao romantismo dos primos, ao encontro .Um teatro que faz o amor mesmo com poucas peças.
peças : rede : peças : pequenas safadezas.
está tudo dentro do mundo.o nome do lugar é "aqui". limpam as redes.dobram a rede .re-dobram o fim do dia na lâmina do tempo. o mar é uma bacia homôgenea .o mar é uma peça .um braço bravo da coisa atlântica que se escuta e não se vê.as ondas . a arte de não mostrar.tudo que nao se mostra eu gosto.a natureza nao mostra tudo.a floresta não se mostra .ao redor ela se expressa enquanto signo mas sem revelar .no fundo ela é um espelho .tudo que a vida instrumental e quotidiana nos leva , nos furta a natureza está ali para nos factuar.os mitos fundadores do desejo , do perigo, da sedução.
há 200 anos esse Brasil profundo na regiao de Ariri e Abacateiro no sul do São Paulo , ao norte do Paraná , devia ser muito parecido como que o que vejo agora.mangue. montanhas.mar aberto nas redondezas.
Cômpor este quadro a-histórico .ao entardecer. dirigir-se a margem diante de um céu instável , diante de um céu de pollock..pôr-se ali.fazer-se parte dali.vadio.ao lado de cães tristes ,mas uma tristeza boa .
os garotos deixam um sorriso no canto do vento , na quebrada do desenho .o Giovani sorri para mim .ele mergulha na água silenciosa e escura e bota os olhos solares para fora enquanto o sol mesmo se põe..olhos de jacaré.as crianças beiram qualquer coisa .o geovani e suas duas gramas de idade.o mar , conversas , sonos, preguiça , comidas, sons de rádio .
as crianças daqui nomeiam o Ser da maneira que lhes convém .
O humor das raizes aéreas que margeiam a região.tobi é um cachorro que ri sozinho.a irmã de geaovani ri .O riso dela tem concordância com borboletas.as mulheres acenam timidamente ,beijam sem encostar o rosto mas elas querem .
Olham os homens estrangeiros de longe.longe dos olhos dos maridos,
Seu Geraldo nos guarda .ele é o patriarca.ele tece rabeca do interior de seu espirito . um poeta-músico.seu olho está voltado para o humanismo . me deparo com um homem que é um sábio .sábio :aquele que compreende que não sabe tudo.
Com o seu geraldo ,retorno a um homem com poder de construir.retorno a um naturante que está em nós.
mas há ai um jogo.ele joga.nada é fácil .fácil não é com ele.tem perfeição nele não. seu geraldo não fala com a sua mulher .conta-se que foi buscá-la na cidade .a mulher havia fugido com outro.
hoje ela fica a espreita mas não submissa . ela é forte .um dia ela ainda sai dali , de seu labirinto sentimental.seus cabelos devem fazer as trilhas do passado.ela cuidou dos filhos ,cozinhou para eles, os viu crescer e irem embora para a cidade grande exatamente de onde teve que voltar.Ir embora é um gesto misterioso no Aqui.
De manhã a luz é do fogo.de dia a luz é do sol.parece óbvio não?voce vai enxergar .vc vai enxergar ?em enxerguei ele nos abraços.eu enxerguei ele naquilo que ele gosta de fazer:equilibrar o barco com as cordas.antes daqui eu estava já distante de entender o volume dos dias.
e depois ? seu geraldo vem com as estórias.impressões originais sobre a aventura humana.ele sai de fininho e vai dormir.colchão no chãO.diz que parou com a chachaça mas toma .é ligeiro no copo .tem muita coisa aqui que acorda solidão.
sua presença corta a noite.a prosa como instrumento de conhecimento. diz a hora de parar .apaga o lampião.dá boas vindas ao cAnsaço.ensina com o olhar .tem muita coisa aqui que acorda solidão.
gaivota,rasga em vôo exato, compacto .vira pato.compete com a precisão.compete não , faz par.ela acompanha a última vida do peixe que irá comer . ela segue o cardume no percurso sinuoso de cima ,e traça um risco , reto em direção ao resultado da equação , ao peixe .ela revela a morte pro peixe .e o peixe não sabe que seu desespero antecipado ajuda a escrever no mundo a paixão inconsciente que os seres vivos nutrem pelos segundos.
nós animais ,não sabemos que no intervalo entre vida e morte é que a solidao acorda.
acordei já na auto estrada de volta. aquelas vilas existiram?
fez-se o tempo. fez-se.
fazia tempo que eu não dava adeus acenando com as mãos para as pessoas que ficam .fazia tempo que eu não ficava mesmo tendo ido embora.
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"Demos adeus um ao outro junto à montanha,/Quando o dia se aproximou do crepúsculo, fechei o portão de madeira ./No próximo ano , na primavera , novamente a relva será verde./Mas meu nobre amigo voltará?"Wang Wei SEC VIII Dinastia Tang
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A única forma de estabelecer um jogo crível com o tempo é deixar-se nos lugares por onde se passa . a única maneira é pensarmos que podemos chegar no futuro como se fosse a primeira vez .
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"é o instante , esse pássaro que está em toda parte e em nenhuma .Queremos pegá-lo vivo,mas abre as asas e desvanece,transformado em um punhado de sílabas.Fiacamos de mãos vazias.Então as portas da percepção se entreabrem e aparece o outro tempo , o verdadeiro,o que buscávamos sem sabê-lo : o presente , a presença"Octavio Paz
* fotos de antonia moura .
Por Gwazz
Postado originalmente no blog http://gwazz.blogspot.com/2008/12/em-todo-lugar-e-em-parte-alguma.html